A necessidade de fornecer serviços financeiros para consumidores sem conta bancária e pequenas empresas é uma meta declarada para quase todos os países do mundo, mas a oportunidade de atingir essa meta com sucesso raramente é tão acessível como no Brasil. O país tem, como alguns poderiam dizer, a ‘tempestade perfeita’ para melhorar a inclusão financeira e bancar com sucesso os desbancarizados.
Em primeiro lugar, o Brasil tem a maior e uma das economias mais desenvolvidas da América Latina. Portanto, o impacto potencial para fornecer novos serviços financeiros é enorme. Na verdade, os serviços financeiros tradicionais ainda estão fora do alcance de até 34 milhões de brasileiros sem conta bancária (cerca de um em cada cinco adultos), que administram cerca de R$347 bilhões por ano, de acordo com o Instituto Locomotiva. É fato que a porcentagem da população desbancarizada no Brasil diminuiu em 45 milhões apenas alguns anos atrás, mas ainda é significativamente maior do que muitos outros mercados desenvolvidos, como EUA, Reino Unido e Espanha, cuja população desbancarizada é inferior a 10%.
O fenômeno da desbancarização no país pode ser explicado de várias maneiras. Em primeiro lugar, o Brasil tem um dos setores bancários mais lucrativos (o dobro dos EUA!), onde os cinco maiores bancos controlam quase 80% do mercado de empréstimos. Isso tornou o sistema bancário muito caro, com os consumidores muitas vezes pagando taxas de juros de três dígitos. Além disso, as agências físicas dos bancos estão disponíveis em poucas e distantes localidades, com horários limitados e filas notoriamente longas, dificultando o acesso e em tempo oportuno. Ao todo, isso torna os serviços financeiros proibitivos para muitas pessoas e contribui ainda mais para a economia ‘pesada’ do país.
Claramente, os bancos têm a primeira oportunidade e a infraestrutura para atender à população sem acesso bancário do país, e vários já estão dando passos nessa direção. Os serviços digitais passaram a ser oferecidos pelo Banco Pan e pelo BV, por exemplo, e novos e grandes investimentos em digitalização do Santander na região.
O ambiente atual também criou uma oportunidade para provedores financeiros concorrentes, como os novos bancos digitais, que são enxutos e capazes de fornecer serviços acessíveis e a preços razoáveis. Essa oportunidade para os bancos digitais depende do acesso à tecnologia, mas, como o Brasil tem uma das maiores taxas de adesão à internet e smartphones do mundo, dificilmente isso é uma barreira. Além disso, novas iniciativas como o Open Banking fornecem aos provedores o acesso a informações financeiras importantes sobre novos clientes que antes não estavam disponíveis. E, é claro, a Covid-19 tornou as transações financeiras online e o comércio eletrônico uma realidade obrigatória, e não mais apenas um luxo.
Por todos esses motivos, os serviços financeiros no Brasil estão se tornando digitais, e muitas novas fintechs estão aproveitando rapidamente essas oportunidades. Talvez o exemplo mais claro disso seja o Nubank. O Nubank alcançou 35 milhões de clientes brasileiros em menos de uma década (48 milhões de clientes no total, incluindo México e Colômbia) e atualmente está avaliado em mais de US $ 40 bilhões, o que ultrapassa os bancos de varejo do país. Além disso, o Nubank conseguiu atingir esse status de forma muito eficiente, com apenas uma pequena fração do número de funcionários em comparação com alguns dos bancos tradicionais. E Nubank não está sozinho. Neon, C6, Inter, Will Bank, BizCapital, DMCard e uma série de neobancos e credores de crédito estão atendendo os que têm recursos insuficientes e perturbando o setor ao fornecer mais acesso a serviços financeiros. Hoje, 1 em cada 3 brasileiros já usa serviços bancários fintech somente de aplicativos e a maioria prefere neobancos aos bancos tradicionais. As coisas estão mudando.
O futuro e os dados alternativos
A acessibilidade e a praticidade dos serviços financeiros fornecidos pelo banco digital são fundamentais para alcançar grupos anteriormente carentes. Mas, um requisito necessário subjacente a esses serviços é o mesmo que está no cerne de qualquer banco – modelos de crédito. E, no cerne de qualquer modelo de crédito, estão sempre os dados. Enquanto os modelos de crédito tradicionais dependem de informações financeiras históricas, como as fornecidas por agências de crédito nacionais, os desbancarizados, por definição, carecem dessas informações. Tipos alternativos de dados são, portanto, necessários para avaliar a qualidade de crédito entre os que não têm banco.
Com o banco digital, os smartphones e a internet andam de mãos dadas, e os dados de crédito alternativos podem ser acessados de maneiras que antes não eram possíveis. Por exemplo, as informações disponíveis em dados de telecomunicações, dados de comércio eletrônico, serviços públicos ou informações de pagamento de aluguel, todos que podem ser indicadores de bons comportamentos de pagamento.
Esses tipos de dados podem complementar as informações financeiras ausentes em uma agência de crédito, mas há uma dimensão adicional de informação que são “dados positivos” por natureza e que podem ser adicionalmente informativos, especialmente quando a agência de crédito ou dados alternativos não são suficientes. Estes são dados baseados em caráter. Dados de crédito baseados em caráter podem ajudar a mostrar que uma pessoa é confiável e responsável, mesmo sem histórico de crédito. Esses dados são complementares e podem fornecer ainda mais oportunidades para uma pessoa sem conta bancária se qualificar.
A Innovative Assessments é um exemplo de empresa que usa a psicometria para ajudar alguns dos maiores bancos digitais e tradicionais do Brasil a aprovarem mais consumidores. Seus modelos de risco são baseados em pesquisas online ultrarrápidas, que podem aumentar as classificações de crédito entre os desbancarizados. Em alguns casos, esse tipo de dados ajudou a aumentar as aprovações entre essa parcela da população em quase 20% e a reduzir a inadimplência em 30%.
Idealmente, os bancos utilizarão combinações de todos os dados de crédito disponíveis e relevantes em cada caso, a fim de fornecer com responsabilidade os melhores e mais personalizados serviços aos seus clientes. Quanto ao futuro, com o crescimento contínuo e a adoção do digital e do banco aberto, o uso de dados alternativos provavelmente só aumentará e se tornará mais comum e aceitável.
Embora o mesmo possa ser dito de muitos países ao redor do mundo que buscam adotar estratégias semelhantes, ainda é interessante considerar a situação única do Brasil. Devido ao tamanho e proporção da população sem conta bancária no país, as iniciativas de inclusão financeira do Brasil sem dúvida terão um impacto geral mais forte no crescimento econômico do que muitas das mesmas iniciativas que estão sendo realizadas em economias mais desenvolvidas, como os EUA ou Reino Unido. De fato, dadas as tendências atuais, é muito razoável esperar que, nos próximos anos, dezenas de milhões de brasileiros que antes não eram bancarizados tenham acesso a serviços financeiros acessíveis que lhes permitirão melhorar seus padrões de vida, expandir seus negócios e tornar-se mais seguros financeiramente para as futuras gerações.
Saul Fine
Saul Fine é CEO da fintech israelense Innovative Assessments. Fine é psicólogo organizacional sênior e psicometrista, e ex-professor universitário de psicologia. Já ocupou cargos de gerência sênior e pesquisa na Midot, CareerHarmony, Israel Defense Forces, e há mais de 20 anos desenvolve e valida avaliações psicométricas para grandes organizações privadas e governamentais em todo o mundo. Sua pesquisa nesta área foi amplamente publicada, com mais de 30 artigos em revistas acadêmicas e mais de 50 trabalhos apresentados em conferências internacionais.
por Saul Fine, CEO da Innovative Assessments
Sem comentários! Seja o primeiro.