Em uma era cada vez mais digital, a morte deixou de ser o fim da presença de uma pessoa no mundo. Suas redes sociais, contas de e-mail, fotos, mensagens e até assinaturas digitais permanecem na internet, deixando um rastro conhecido como “restos digitais”. Esses dados, se não bem protegidos, podem ser alvo de criminosos que buscam roubar informações, acessar contas bancárias e até se passar pela pessoa falecida.
A fragilidade dos dados digitais após a morte
Muitos não percebem, mas contas digitais e perfis em redes sociais, por exemplo, continuam ativos mesmo após o falecimento de uma pessoa e podem se tornar alvo de vulnerabilidades. A complexidade em lidar com os dados digitais de alguém que já morreu se deve ao fato de que muitas plataformas não possuem políticas claras para proteger essas informações. “A maioria das redes sociais e sistemas online não foi desenvolvida para lidar com o que ocorre com os dados após a morte. Isso resulta em um ‘vácuo digital’, onde as informações ficam expostas e, se não forem devidamente protegidas, podem ser aproveitadas em ataques cibernéticos”, explica Hugo Stobienia Wannmacher, especialista em Big Data e Inteligência Artificial (IA). Hackers e golpistas enxergam esses dados como uma mina de ouro. “Acessar contas de pessoas falecidas permite roubar informações pessoais, bancárias, e até se aproveitar de parentes próximos. Infelizmente, é uma prática comum no universo cibernético”, acrescenta.
A responsabilidade do legado digital: de quem é?
A gestão dos restos digitais é um tema delicado. A responsabilidade, em muitos casos, recai sobre a família e, mais especificamente, sobre alguém que detenha poderes legais para tomar decisões. Plataformas como o Facebook e o Instagram permitem que familiares solicitem a memorialização da conta, tornando-a uma espécie de “museu digital” da pessoa falecida. No entanto, nem todas as plataformas oferecem essa opção, e muitas exigem procedimentos burocráticos para que a família possa agir.
Segundo Hugo, essa situação se agrava quando as pessoas não deixam instruções sobre como desejam que suas informações sejam tratadas. “É fundamental conversar com seus familiares e pessoas próximas sobre como você quer que seus dados sejam tratados criando o hábito de planejar o seu legado digital, assim como fazemos com heranças financeiras”, destaca.
A proteção legal: como a lei atua?
A legislação em torno dos dados digitais de falecidos ainda é recente em muitos países, e mesmo onde existe, pode ser insuficiente. No Brasil, por exemplo, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) protege a privacidade das informações em vida, mas não especifica claramente como esses dados devem ser tratados após a morte.
Há um vácuo legal em relação a quem tem o direito de acessar e controlar as contas e dados de uma pessoa falecida. Em alguns casos, os tribunais têm permitido que familiares solicitem a remoção de dados ou o acesso a informações, mas o processo pode ser demorado e, muitas vezes, requer uma decisão judicial.
O que fazer para proteger o legado digital?
Hugo sugere que, assim como um testamento, todos deveriam ter um “testamento digital”, no qual especificassem quem terá acesso e controle sobre suas contas e informações após a morte. “Existem serviços de gerenciamento de senhas e legados digitais que facilitam esse processo. A pessoa deixa instruções claras e seguras sobre o que deve ser feito com suas redes sociais, contas e dados, evitando que essas informações caiam em mãos erradas”, aconselha o especialista.
Além disso, plataformas como Google e Facebook oferecem opções de configuração de contas para o caso de falecimento. No Facebook, por exemplo, é possível indicar um “Seu contato herdeiro” que terá a responsabilidade de administrar a conta após a morte. No entanto, o assunto pode ir além do aspecto pessoal. “Quando pensamos no legado digital de uma pessoa, muitas vezes estamos apenas falando sobre as redes sociais e fotos pessoais, mas o impacto disso também se estende à carreira profissional e aos projetos que alguém construiu ao longo da vida. Para quem falece, não é só o lado pessoal que fica ‘preso’ na internet, mas também o seu trabalho, suas conquistas profissionais e, muitas vezes, informações sensíveis relacionadas à sua trajetória”, afirma Débora Telles, psicóloga especialista em RH e transição de carreiras.
O legado digital é uma nova dimensão da vida moderna, trazendo responsabilidades e preocupações antes deixadas de lado. A sociedade precisa começar a enxergar dados como uma extensão da vida. As leis ainda estão se adaptando, mas a conscientização é o primeiro passo para que todos tenham mais controle sobre suas informações, mesmo após a morte. Afinal, o legado digital é uma herança que deve ser tratada com o mesmo cuidado que qualquer outro bem valioso.
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