Pesquisa da Embrapa mostra que bagaço de cana tem pegada de carbono 78% menor que diesel e supre sistema elétrico quando hidrelétricas reduzem produção
A bioeletricidade gerada a partir do bagaço de cana-de-açúcar se consolidou como alternativa estratégica para o sistema elétrico brasileiro durante períodos de seca. Quando os reservatórios das hidrelétricas atingem níveis críticos, as usinas sucroenergéticas fornecem energia limpa e estável, reduzindo o risco de apagões no país.
Um estudo publicado na revista científica Renewable Energy comprova que a bioeletricidade do bagaço apresenta pegada de carbono de apenas 0,227 kg de CO₂ equivalente por kWh — valor 78% menor que termelétricas a diesel, que emitem até 1,06 kg de CO₂ equivalente por kWh.
Como funciona a bioeletricidade da cana-de-açúcar
O processo de geração de bioeletricidade aproveita um resíduo da produção de açúcar e etanol. Durante a fotossíntese, a cana-de-açúcar absorve CO₂ da atmosfera e o transforma em biomassa. Após a colheita, o bagaço é queimado em caldeiras para gerar eletricidade, liberando apenas parte do carbono previamente capturado. Enquanto isso, novas plantações já reiniciam o ciclo de absorção.
“A bioeletricidade do bagaço não adiciona carbono novo à atmosfera. É um ciclo fechado que utiliza resíduo agrícola para gerar energia renovável”, explica Vinicius Bufon, pesquisador da Embrapa Meio Ambiente.
Energia da cana complementa solar e hidrelétrica
A bioeletricidade da cana possui vantagem competitiva em relação a outras fontes renováveis: pode ser gerada à noite e atinge pico de produção justamente na época seca, entre abril e novembro no Centro-Sul do Brasil.
Esse período coincide com a redução da geração hidrelétrica e complementa a energia solar fotovoltaica, que só produz durante o dia e enfrenta restrições de injeção na rede (curtailment) em alguns casos.
“Quando as hidrelétricas reduzem sua geração, as termelétricas a biomassa de cana assumem papel decisivo para garantir a estabilidade do sistema elétrico”, reforça Bufon.
Riscos climáticos ameaçam bioeletricidade no Brasil
Apesar do potencial, estudo internacional liderado pela Embrapa em parceria com a Universidade das Nações Unidas e a Universidade de Bonn alerta para vulnerabilidades que podem comprometer a produção de bioeletricidade em períodos críticos.
A pesquisa, publicada na revista Environmental Advances, identificou quatro gargalos estruturais:
Escassez de infraestrutura hídrica: Falta de barragens para armazenamento de água da chuva devido a dificuldades de crédito e licenciamento ambiental limita a capacidade de enfrentar estiagens prolongadas.
Baixo investimento em irrigação: Canaviais dependem excessivamente das chuvas em regiões cada vez mais sujeitas a variações climáticas extremas.
Fragilidade dos seguros agrícolas: Apólices não refletem os riscos reais de seca enfrentados pelos produtores, deixando-os expostos a prejuízos severos.
Ausência de sistemas de alerta precoce: Falta de monitoramento que possa antecipar cenários de risco e permitir respostas rápidas e eficazes.
Soluções para aumentar resiliência do setor sucroenergético
Os pesquisadores apontam medidas para reduzir vulnerabilidades e fortalecer a bioeletricidade da cana:
- Expansão da irrigação em áreas estratégicas de produção
- Modernização e digitalização dos sistemas de irrigação existentes
- Aprimoramento de estratégias de manejo hídrico integradas
- Fomento a políticas públicas de incentivo ao setor
- Estímulo à inovação e difusão tecnológica
“Muitas dessas soluções já estão em desenvolvimento na Embrapa. Nosso foco é contribuir para uma agricultura climaticamente inteligente, que aumente a produtividade e fortaleça a capacidade de adaptação às mudanças climáticas”, afirma Bufon.
Brasil tem vantagem competitiva em bioeletricidade
Como um dos maiores produtores de cana-de-açúcar do mundo, o Brasil possui condições únicas para consolidar a bioeletricidade como fonte central da matriz elétrica nacional. A tecnologia se alinha ao conceito de Agricultura Climaticamente Inteligente e fortalece a economia circular ao transformar resíduos agrícolas em energia.
O setor sucroenergético já ultrapassou a marca de 120 usinas com cogeração de energia no país, segundo dados da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica). Essas plantas podem gerar até 11 GW de potência durante a safra.
“Se conseguirmos fortalecer a resiliência da bioeletricidade, estaremos dando um passo importante para garantir a segurança energética do país e cumprir os compromissos internacionais de mitigação climática”, conclui o pesquisador da Embrapa.
O estudo completo, que também contou com participação de Jasmim Zevallos, Zita Sebesvari e Jakob Rhyner, está disponível na revista Environmental Advances.
FAQ – Perguntas frequentes sobre bioeletricidade da cana
O que é bioeletricidade da cana-de-açúcar? É energia elétrica gerada pela queima do bagaço de cana em caldeiras, aproveitando um resíduo da produção de açúcar e etanol.
Qual a pegada de carbono da bioeletricidade da cana? Cerca de 0,227 kg de CO₂ equivalente por kWh, 78% menor que termelétricas a diesel.
Por que a bioeletricidade da cana é importante na seca? Ela complementa as hidrelétricas quando os reservatórios estão baixos, garantindo estabilidade ao sistema elétrico brasileiro.
A bioeletricidade da cana funciona à noite? Sim, diferentemente da energia solar, pode ser gerada 24 horas por dia durante a safra.
Quais os principais riscos para o setor? Falta de infraestrutura hídrica, baixo investimento em irrigação, seguros agrícolas inadequados e ausência de sistemas de alerta precoce.

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